29 de agosto de 2008

METADE

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tapem os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio

Que a música que ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza
Que o homem que eu amo
Seja pra sempre amado
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
Nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta
A uma mulher inundada de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma
E na paz que eu mereço
E que essa tensão
Que me corroi por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita
Em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Porque metade de mim
É a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei

Que não seja preciso
Mais do que uma simples alegria
Para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio
Me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade
Para fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção

E que a minha loucura
Seja perdoada
Porque metade de mim
É amor
E a outra metade...
Também

Oswaldo Montenegro

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